Aves ameaçadas.
O Brasil ganha o 1º mapa das aves ameaçadas.
05/02/2006.
O Brasil tem, só nos Estados da mata atlântica, 163 áreas prioritárias para a conservação de aves, e 37% delas não estão sob nenhum tipo de proteção. Os dados são de um levantamento inédito, realizado ao longo de cinco anos e que será publicado em forma de livro no mês que vem.
O estudo foi realizado pela Save (Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil), uma organização ambiental filiada à rede Birdlife International. Desde 2000, pesquisadores da ONG compilam informações sobre as chamadas IBAs (Áreas Importantes para Aves, na sigla em inglês) nos 15 Estados da mata atlântica.
O resultado, o livro "IBAs do Brasil", será lançado durante a COP-8 (Oitava Conferência das Partes) da Convenção da Biodiversidade, que acontece em março em Curitiba.
Trata-se do primeiro mapa do gênero feito para o Brasil - levantamentos semelhantes já existem para Europa, América do Norte, África, Argentina e Andes. E já vem tarde: algumas das espécies mapeadas estão à beira da extinção, em alguns casos com sua ocorrência global restrita a poucos milhares de hectares, em matas que continuam sendo destruídas pelos motivos mais diversos: da construção de casas de veraneio de gente rica à extração de lenha para sustentar gente pobre.
"A gente já está com água no pescoço", diz o ornitólogo Pedro Develey, da Save. "Na mata atlântica você não tem muito tempo para agir", continua o cientista. Ele é co-autor do estudo juntamente com Glayson Bencke, Priscila Nápoli e Giovanni Maurício.
Entre carvão e condomínios.
O Brasil é o terceiro país do mundo com mais espécies de ave (só perde para Colômbia e Peru), mas o primeiro em número de espécies ameaçadas: no total são 118. Essa disparidade é resultado da perda acelerada de habitats na mata atlântica, floresta da qual sobram apenas 7%. É lá que está o maior número de aves à beira do desaparecimento, 111. E foi lá que ocorreram os dois únicos casos registrados de extinção de ave na natureza no país, os da ararinha-azul (Cianopscitta spixii) e do mutum-de-alagoas (Mitu mitu).
Há outras espécies em vias de se juntarem ao time macabro da ararinha-azul. Uma delas é o limpa-folha-do-nordeste (Phylidor novaesi), um passarinho que só ocorre em dois lugares do planeta: Murici, uma mata de 6.000 hectares em Alagoas (um hectare tem mais ou menos o tamanho de um campo de futebol e meio) e a serra do Urubu, em Pernambuco, que tem 1.000 hectares.
Ambos os locais foram eleitos pela Save entre as 16 IBAs de ação emergencial para conservação até 2010, por estarem entre as 60 que não integram nenhuma zona de proteção oficial e sofrerem pressão contínua. "As ONGs não atuam nessas áreas porque elas são vespeiros", diz Develey, referindo-se a problemas comuns a esses locais que vão de situação fundiária irregular a interesses políticos e miséria pura e simples.
Ele conta uma experiência recente na serra do Urubu. "Entrei lá e tinha 15 carvoarias na mata. Era só fumaça, com crianças trabalhando e tudo o mais. As pessoas usam a floresta como recurso - ilimitado, na cabeça delas."
Outro caso de extinção premente é o do formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis), um animalzinho exigente que só consegue viver numa diminuta faixa de mata na restinga de Maçambaba e na ilha de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. "Ali tem duas unidades de conservação que estão fora do Snuc [Sistema Nacional de Unidades de Conservação]", diz Develey. Pior: a beleza do litoral encheu a região de Maçambaba de casas de veraneio e condomínios de luxo. Hoje, a especulação imobiliária ameaça o único habitat da espécie em todo o mundo.
Sumidos no ninho.
Mas nem tudo são mazelas na mata atlântica. Durante o trabalho de identificação das IBAs, foi redescoberto na natureza um animal dado como possivelmente extinto, o entufado-baiano. Ele habita o médio Jequitinhonha, entre Minas e Bahia, uma das regiões mais pobres do país.
Outro caso, mais delicado, é o de uma nova espécie de coruja descrita em 2002 em Pernambuco, também durante o mapeamento. "Em 1980 ela já havia sido identificada, mas a área em que ela foi descoberta foi embora", disse Bencke. "A outra mata que ela habita tem cem hectares. É preciso achar urgentemente novas áreas de ocorrência."
(Fonte: Claudio Angelo / Folha de S.Paulo)